A Patrística e a Imaculada Conceição

Nesta sexta-feira, 08 de dezembro, a Igreja celebra de forma solene o Dogma da Imaculada Conceição, uma verdade de fé que todo católico deve crer, pois, segundo o Catecismo da Igreja Católica em seu parágrafo §88 diz:

“O Magistério da Igreja empenha plenamente a autoridade que recebeu de Cristo quando define dogmas, isto é, quando, utilizando uma forma que obriga o povo cristão à adesão irrevogável de fé, propõe verdades contidas na revelação divina ou verdades que com estas têm necessária conexão”

É da Tradição, outro pilar de fé da Igreja, que vem o Magistério, na qual a Patrística, movimento dos Santos Padres da Igreja Primitiva, desenvolveu (do séc I até o séc VIII) a doutrina da Igreja. Apesar do Dogma da Imaculada Conceição ter sido proclamado apenas em 1854 pelo Papa Pio IX, a crença na Imaculada Conceição da Virgem Maria se dá desde os primeiros séculos de Cristianismo, e uma das provas salutares dessa devoção na história se dá justamente no testemunho dos Santos Padres e em seus comentários a respeito dos evangelhos. Graças ao empenho heróico de Santo Tomás de Aquino em compilar os comentários dos Santos Padres numa forma quase como um diálogo, na sua magnífica obra conhecida como Catena Áurea, a respeito dos evangelhos podemos ver como esses grandes homens fíeis a Igreja e à Revelação Divina já acreditavam que a Virgem Maria, desde a sua concepção, foi preservada do pecado original e aos poucos a semente do que viria a ser depois o dogma da Imaculada Conceição da Virgem Mãe de Deus. Abaixo, colocarei versículo por versículo do evangelho que a Igreja propõe nesta data solene, Evangelho segundo São Lucas (1, 26-38) que é a Saudação do arcanjo Gabriel e a Encarnação do Verbo no ventre puríssimo de Nossa Senhora, e depois os comentários dos Santos Padres:

“Estando Isabel no sexto mês, foi enviado por Deus o anjo Gabriel a uma cidade da Galiléia chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de Davi; o nome da virgem era Maria” (Lc 1,26-27)

Beda (673 d.C – 735 d.C) “O sexto mês é março, em cujo vigésimo quinto dia Nosso Senhor foi concebido e, segundo a tradição, padeceu, assim como nasceu no vigésimo quinto dia do mês de dezembro”. São Basílio (330 d.C – 379 d.C) “Os epíritos celestes não vêm a nós como que por si mesmos, mas observam o decoro da Sabedoria Divina”. Santo Agostinho (354 d.C – 430 d.C) “Com efeito somente a virgindade pôde dar à luz Aquele que não podia ter um igual em seu nascimento. Era preciso que, por um milagre insigne, a nossa cabeça, segundo a carne, nascesse de uma virgem, a fim de indicar que os seus membros deveriam, segundo o espírito, nascer de uma Igreja virgem”. Santo Ambrósio (340 d.C – 397 d.C) “A Escritura diz com razão ambas as coisas: que era desposada e que era virgem. Virgem, para manifestar que desconhecia toda união marital. Desposada, para que não sobreviesse a infâmia de ter maculado a sua virgindade àquela cujo ventre carregado pareceria um sinal de corrupção. Quis antes o Senhor que alguns duvidassem do seu nascimento que da pureza de sua mãe”. Beda (673 d.C – 735 d.C) “‘Maria’ significa, em hebraico, ‘estrada do mar’ e, em siriáco, ‘Senhora’. E com razão, porque mereceu levar nas entranhas o Senhor do mundo e a luz perene dos séculos”.

“Entrando o anjo onde ela esteva, disse-lhe: ‘Deus te salve, cheia de graça; o Senhor é contigo’. Ela, ao ouvir essas palavras, pertubou-se, e discorria pensativa que saudação seria essa” (Lc 1, 28-29)

São Jerônimo (347 d.C – 420 d.C) “E com razão se diz: cheia de graça, porque aos demais a graça é distribuída por partes, mas em Maria foi infundida ao mesmo tempo toda a plenitude da graça. É verdadeiramente cheia de graça aquela pela qual a chuva abundante do Espírito Santo foi derramada sobre toda a criatura”. Expositor grego “Este é o resumo de todo o anúncio: o Verbo de Deus, como esposo, produziu uma união que excede a razão; gerando e sendo gerado, conformou toda a natureza humana em si. Acrescenta-se ao final, como complemento perfeitíssimo: Bendita és tu entre as mulheres, a saber, uma só entre todas as mulheres, para que também sejam benditas em ti todas as mulheres, como os homens no Filho; antes, porém, ambos sejam benditos em ambos. Com efeito, assim como por uma mulher e um homem entraram ao mesmo tempo no mundo o pecado e a tristeza, agora, por uma mulher e um homem, a bênção e a alegria são restauradas e derramadas sobre cada um”. Santo Ambrósio (340 d.C – 397 d.C) “Admirava-se também com a nova forma de saudação, que nunca fora ouvida, pois estava reservada somente a Maria”. Orígenes (185 d.C – 253 d.C) “Com efeito, se Maria soubesse que palavras semelhantes haviam sido dirigidas a outra pessoa, uma vez que conhecia a lei, jamais teria se assustado com tal saudação, como se fosse estrangeira”.

“O anjo disse-lhe: ‘Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus: eis que conceberás no teu ventre e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Será grande e será chamado Filho do Altíssimo; o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi, reinará sobre a casa de Jacó eternamente e o seu Reino não terá fim” (Lc 1, 30-33)

Beda (673 d.C – 735 d.C) “Como que vira que a Virgem havia se pertubado com aquela saudação insólita, chama-a pelo seu nome, como se a conhecesse familiarmente, e lhe diz que não deve temer. Por isso, é dito: ‘O anjo lhe disse: ‘Não temas, Maria’“. Expositor grego “Como se dissesse: ‘Não vim te enganar, mas trazer a absolvição do engano. Naõ vim roubar tua virgindade inviolável, mas abrir uma habitação para o autor e guardião da pureza. Mão sou um ministro da serpente, mas um enviado d’Aquele que destrói a serpente. Venho tratar de um casamento, não maquinar tramas'”. Expositor grego “A Virgem encontrou graça diante de Deus, porque, adornando a sua própria alma com o esplendor da pureza, preparou uma habitação agradável para o Senhor. E não somente conservou inviolável o seu celibato, mas também mantece a sua consciência imaculada”. Orígenes (185 d.C – 253 d.C) “Vê, portanto, a grandeza do Salvador: como ela se estende sobre todo o mundo. Sobe aos Céus e vê como preenche os lugares celestes. Baixa com o pensamento aos abismos e vê que Ele desceu até lá. Se vires isso, entendereis também o cumprimento destas palavras: Será grande”.  São João Crisóstomo (347 d.C – 407 d.C) “Para alguns parecerá absurdo que Deus habite um corpo. Contudo, porventura o sol, cujo corpo é sensível, mancha a sua própria pureza enviando seus raios aonde quer que seja? Com muito mais razão, o Sol de Justiça, tomando o corpo do mais puro ventre virginal, não apenas não se contaminou, como santificou ainda mais a Sua mãe”. Beda (673 d.C – 735 d.C) “Cesse, portanto, Nestório de dizer que somente o homem nasceu da Virgem e que este não foi recebido pelo Verbo em unidade de pessoa. Quando o anjo diz que Aquele mesmo que tem por pai Davi será chamado Filho do Altíssimo, demonstra a unidade de pessoa de Cristo em duas naturezas. O anjo não usa verbos no tempo futuro, como dizem alguns hereges, porque Cristo não existiu antes de Maria, mas porque, em uma única pessoa, o Homem-Deus partilha o nome de Filho”.

“Maria disse ao anjo: ‘Como se fará isso, pois eu não conheço varão?’. O anjo respondeu-lhe: ‘O Espírito Santo descerá sobre ti, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso mesmo, o que nascerá Santo será chamado Filho de Deus'” (Lc 1, 34-35)

Santo Ambrósio (340 d.C – 397 d.C) “Não devia Maria nem deixar de crer no anjo, nem usurpar temeriamente as coisas divinas. Por isso, é dito: Maria disse ao anjo: ‘Como se fará isso?’. Essa resposta foi mais adequada que a do sacerdote. Esta diz: Como se fará isso?, e aquele responde: Como terei certeza disso? Aquele que nega a crer e como que busca outra autoridade para dar a sua fé; esta não duvida que se fará, pois pergunta como se fará. Maria lera (Is 7,14): Eis que a Virgem concebeu e dará a luz um filho e, portanto, creu que aconteceria; porém, não lera como aconteceria. Não fora revelado, nem a um profeta tão grande, como aquilo se cumpriria. Tão grande mistério deveria ser proclamado, não pela boca de um homem, mas pela de um anjo”. São Gregório de Nissa (330 d.C – 395 d.C) “Considera também as palavras da Virgem pura: o anjo anuncia-lhe o parto, e ela se apóia em sua virgindade, julgando a sua inviolabilidade mais preciosa que a visão do anjo. Por isso se diz: pois eu não conheço varão” São Basílio (330 d.C – 379 d.C) “‘Conhecimento’ entende-se de muitos modos. Chama-se conhecimento a sabedoria do nosso Criador, também a notícia de suas grandes obras, a observância dos seus mandamentos e daquilo que nos aproxima d’Ele e, finalmente, a união nupcial, como aqui se entende”. Expositor grego “Mas considera como o anjo resolve a dúvida da Virgem e lhe explica a sua união sem mancha e o seu parto inefável. Pois segue: O anjo respondeu-lhe: ‘O Espírito Santo descerá sobre ti'”.  São João Crisóstomo (347 d.C – 407 d.C) “Como se dissesse: ‘Não procures a ordem natural quando se trata de coisas que transcendem e superam a ordem da natureza’. Tu dizes: como se fará isso, pois eu não conheço varão? Com efeito, é porque não conheces varão que isso se fará, porque se houvesses conhecido varão, não serias digna desse mistério. Não porque o matrimônio seja mau, mas porque a virgindade é mais perfeita. Convinha, pois, que o Senhor de todos participasse conosco do nascimento e se distinguisse nele. Teve em comum conosco o nascer de um ventre, e nos superou pela nascer sem que houvesse união”. São Gregório de Nissa (330 d.C – 395 d.C) “Ademais, a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. A virtude do Rei Altíssimo é Cristo, que, pela descida do Espírito Santo, é formado na Virgem”. São Gregório Magno (540 d.C – 604 d.C) “Pelas palavras: te cobrirá com a sua sombra, exprimem-se as duas naturezas do Deus que se encarnaria. Com efeito, a sombra é formada pela luz e pelo corpo. O Senhor, por sua Divindade, é luz. Como a luz incorpórea assumiria o corpo no ventre da Virgem, diz-se apropriamente: a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra, isto é, em ti o corpo da humanidade receberá a luz incorpórea da Divindade. Pois isso é dito a Maria por causa do consolo que lhe é dado do Céu”. São Gregório Magno (540 d.C – 604 d.C) “Em distinção à nossa santidade, declara-se que Jesus, de maneira singular, nasceu santo. De fato, ainda qu enos tornemos santos, não nascemos santos, porque somos oprimidos pela condição da nossa natureza corruptível, podendo dizer com o profeta: Eis que nasci na culpa (Sl 50). Somente nasceu verdadeiramente santo aquele que não foi concebido pela conjunção carnal, que não é, – ao contrário do que professam os hereges – um na humanidade e outro na divindade, de modo que, sendo concebido como simples homem, Deus logo tivera assumido seu corpo. Anunciando o anjo e descendo o Espírito, logo o Verbo estava no ventre, logo o Verbo se fez carne no ventre. Por isso, prossegue: será chamado Filho de Deus”. Teofilacto “Vê como o anjo manifestou a Santíssima Trindade, não mencionando unicamente o Espírito Santo, mas também o Poder, isto é, o Filho, e o Altíssimo, a saber, o Pai”.

“‘Eis que também Isabel, tua parenta, soncebeu um filho na sua velhice, e este é o sexto mês da que se dizia estéril; porque a Deus nada é impossível’. Então Maria disse: ‘Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra’. E o anjo afastou-se dela” (Lc 1, 36-38)

São João Crisóstomo (347 d.C – 407 d.C) “Como o que fora dito superava o entendimento da Virgem, o anjo passou a falar de coisas mais simples para persuadi-la por meio de coisas mais sensíveis e, por isso, diz: Eis que também Isabel, tua parenta. Observa a prudência de Gabriel. Não a recorda de Sara, nem Rebeca, nem Raquel, pois eram exemplos antigos, mas refere um fato recente para fortalecer o seu entendimento. E por isso faz menção da idade, quando diz: Também ela concebeu um filho na sua velhice. indicando a sua incapacidade natural. Prossegue: e este é o sexto mês. Não anunciou desde o princípio a gravidez de Isabel, mas depois de transcorridos seis meses, a fim de que o volume do seu ventre servisse de prova”. São Gregório Nazianzeno (329 d.C – 389 d.C) “Mas alguém perguntará: ‘De que modo Jesus descende de Davi?’. Maria, com efeito, descende do sangue de Aarão, pois o anjo diz que é prima de Isabel. Mas isso aconteceu por vontade divina, para que a linhagem régia se juntasse a estirpe sacerdotal, para que Cristo, que é Rei e Sacerdote, nascesse de ambas segundo a carne”. Beda (673 d.C – 735 d.C) “Assim, pois, a Virgem recebe o exemplo da anciã estéril não porque houvesse duvidado de que pudesse dar a luz, mas para aprender que para Deus tudo é possível, ainda quando pareça contrário à ordem da natureza. Por isso segue: porque a Deus nada é impossível”. Santo Ambrósio (340 d.C – 397 d.C) “Vê, pois, a humildade da Virgem, vê sua devoção. Com efeito, prossegue : Então Maria disse: ‘Eis aqui a serva do Senhor’. Chama-se a si mesma serva a que foi eleita como Mãe e não se ensoberbece com uma promessa tão repentina. Com efeito, aquela que daria luz o manso e humilde deveria – também ela – manifestar humildade. Chamando-se a si mesma serva, não se apropriou da prerrogativa de uma graça tão especial, porque fazia o que lhe era ordenado. Por isso se segue: Faça-se em mim segundo a tua palavra. Tens o obséquio, vê o voto. Eis aqui a serva do Senhor é a sua prontidão para cumprir o seu dever. Faça-se em mim segundo a tua palavra é o voto que concebe”. São Gregório Magno (540 d.C – 604 d.C) “Pelo mistério inefável de uma concepção santa e de um parto inviolável, a mesma Virgem foi serva e mãe do Senhor, segundo a verdade das duas naturezas”. Beda (673 d.C – 735 d.C) “Recebido, pois, o consentimento da Virgem, o anjo retornou imediatamente ao Céu. Por isso segue: E o anjo afastou-se dela”. Eusébio (265 d.C – 339 d.C) “Não apenas obtendo o que desejava, mas admirando-se da forma virginal e da plenitude da virtude”.   Vemos, portanto, o quão belos são os escritos dos Santos Padres sobre o evangelho de hoje dedicado a Solenidade do Dogma da Imaculada Conceição, o quão é rico para a fé Cristã e Católica, a Tradição da Igreja e como o Magistério passados os séculos guarda este deposíto para que no momento certo, inspirado por Deus, proclame solenemente uma verdade de fé, como fez o Papa Pio IX em 1854 com o Dogma da Imaculada Conceição:
A beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda a mancha do pecado original” (Pio IX, Bulla Ineffabilis Deus).
Na meditação dos escritos dos Santos Padres, a Igreja viu que a plenitude da graça derramada sobre a Virgem Maria em nada obscurecia Cristo. Pelo contrário, aumentava ainda mais a sua importância e a centralidade cristocêntrica existente na devoção mariana. Diz o CIC: “Esta ‘santidade resplandecente, absolutamente única’ da qual Maria é ‘enriquecida, desde o primeiro instante de sua conceição’, lhe vem inteiramente de Cristo: ‘Em vista dos méritos de seu Filho, foi redimida de um modo mais sublime’. Mais do que qualquer outra pessoa criada, o Pai a ‘abençoou com toda benção espiritual nos céus, em Cristo (Ef 1,3). Nele a escolheu ‘antes da fundação do mundo para ser’ santa e imaculada ‘diante dele, no amor’ (Ef 1,4)”, (Catecismo da Igreja Católica, § 492). Enfim, o Dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria, além de celebrar as “grandes maravilhas” que o Senhor fez por meio de Nossa Senhora, é uma forma solene de adorar a Deus nas três Pessoas da Santíssima Trindade: O Pai, que elegeu a Virgem Maria; O Filho, que por amor e obediência ao Pai nela foi concebido; e o Espírito Santo, que por Ela semeou em seu ventre imaculado o Deus feito Homem. Que neste tempo de Advento possamos meditar e contemplar este grande mistério da Encarnação do Verbo, a grandeza do Anúncio do Anjo Gabriel, a humildade de Maria, a sua prontidão e obediência, e principalmente, o Amor que Deus tem para conosco, amor que constrange, e que se fez carne por cada um de nós. Deus abençoe você. Salve Maria!!!  
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